LITERATURA –
PROFESSORA GÉSSICA A SANTOS
HISTÓRIA SOCIAL
DO REALISMO, DO NATURALISMO E DO PARNASIANISMO
O Realismo é
uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose
do sentimento; - o Realismo é a anatomia do caráter. É a
crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos - para
condenar o que houve de mau na nossa sociedade.
Eça de Queiroz
Estabeleceu-se há alguns anos uma escola monstruosa de
romancistas, que pretende substituir a eloqüência da carnagem pela eloqüência
da carne, que apela para as curiosidades mais cirúrgicas, que reúne pestíferos
para nos fazer admirar as veias saltadas, que se inspira diretamente do cólera,
seu mestre, e que faz sair pus da consciência. (…) Thérèse Raquin é o resíduo de
todos esses horrores publicados precedentemente. Nele, escorrem todo o sangue e
todas as infâmias… (Ferragus, crítico do séc. XIX)
Na segunda metade do
século XIX, o contexto sociopolítico
europeu mudou profundamente. Lutas sociais, tentativas de revolução, novas
ideias políticas, científicas... O mundo agitava-se, e a literatura não podia
mais, como no tempo do Romantismo, viver de idealizações, do culto do eu e da fuga
da realidade. Era necessária uma arte mais objetiva, que atendessse ao desejo
do momento: o de analisar, compreender, criticar e transformar a realidade.
Como resposta a essa necessidade, surgiram quase ao mesmo tempo três tendências
antirromânticas na literatura, que se entrelaçavam e se influenciavam
mutuamente: o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo.
A LINGUAGEM DO REALISMO, DO
NATURALISMO E DO PARNASIANISMO
Motivados
pelas teorias científicas e filosóficas da época, os escritores realistas se empenharam
em retratar o homem e a sociedade em conjunto. Não bastava mostrar a face
sonhadora e idealizada da vida, como haviam feito os românticos; era preciso
mostrar a face do cotidiano massacrante, do casamento por interesse, do amor
adúltero, da falsidade e do egoísmo, da impotência do ser humano comum diante
dos poderosos.
Na segunda metade do século
XIX, a literatura europeia buscou novas formas de expressão, sintonizadas com
as mudanças que ocorriam em diferentes setores: filosófico, político, econômico
e cultural. A renovação na literatura manifestou-se na forma de três movimentos
literários distintos na França: o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo. O
Realismo teve início com a publicação de Madame Bovary (1857), de Gustave
Flaubert; o Naturalismo, com a publicação de Thérese Raquin (1867), Émile Zola;
e o Parnasianismo, com a publicação das antologias parnasianas intituladas
Parnasse Contemporain (a partir de 1866).
Embora guardem
diferenças formais e ideológicas, essas três tendências apresentaram alguns
aspectos em comum: o combate ao Romantismo, o resgate do objetivismo na
literatura e o gosto pelas descrições.
De modo geral, pode-se
dizer que o Naturalismo é uma espécie de Realismo científico, enquanto o
Parnasianismo é um retorno da poesia ao estilo clássico, abandonado pelos
românticos.
O
REALISMO E OS REALISMOS DE TODOS OS TEMPOS
Os críticos Antonio
Candido e José Aderaldo Castello explicam por que o uso da palavra Realismo
para designar o movimento literário da segunda metade do século XIX é
inadequado.
A designação de Realismo, dada a esse
movimento, é inadequada, pois o realismo ocorre em todos os tempos como um dos pólos
da criação literária, sendo a tendência para reproduzir nas obras os traços
observados no mundo real – seja nas coisas, seja nas pessoas e nos sentimentos.
Outro polo é a fantasia. Isto é, a tendência para inventar um mundo novo,
diferente e muitas vezes oposto às leis do mundo. Os autores e as modas
literárias oscilam incessantemente entre ambos, e é da sua combinação mais ou
menos variada que se faz a literatura.
Livro: Presença da literatura brasileira
A prosa realista do séc. XIX denunciou
em muitas obras a situação de submissão em que viviam as mulheres e as
consequências negativas que dela advinham, como morte, humilhação, solidão.
Veja nos textos a seguir, de escritores dessa escola literária, as referências
feitas a mulheres:

Seu rosto
é branco, repousado, calmo. Sua voz é suave e recolhida, suas maneiras são
simples. Tem todas as nobrezas da dor, a santidade de uma pessoa que não
maculou a alma ao contato do mundo, mas também a rigidez de solteirona e os
hábitos mesquinhos que dá a existência estreita da província. Apesar de suas oitocentas
mil libras de renda, vive como vivera a pobre Eugênia Grandet, só acende o fogo
em seu quarto nos dias em que outrora seu pai lhe permitia acender o fogão da
sala, e apaga-o conforme o programa em vigor nos seus jovens anos. Está sempre
vestida como se vestia sua mãe. A casa de Saumur, casa sem sol, sem calor,
sempre sombria, melancólica, é a imagem de sua vida.
Honoré de Balzac. Eugénie Grandet.
Como
síntese, compare as características do Realismo com as do Romantismo.
REALISMO
|
ROMANTISMO
|
Objetivismo
|
Subjetivismo
|
Descrições e
adjetivações objetivas, voltadas a captar o real como ele é
|
Descrições
e adjetivações idealizantes, voltadas a elevar o objeto descrito
|
Mulher não
idealizada, mostrada com defeitos e qualidades
|
Mulher idealizada, anjo de pureza e
perfeição
|
Amor e
outros sentimentos subordinados aos interesses sociais
|
Amor
sublime e puro, acima de qualquer interesse
|
Herói
problemático, cheio de fraquezas, manias e incertezas
|
Herói íntegro, de caráter
irrepreensível
|
Narrativa
lenta, acompanhando o tempo psicológico
|
Narrativa
de ação e de aventura
|
Personagens
trabalhadas psicologicamente
|
Personagens planas, de pensamentos e
ações previsíveis
|
Universalismo
|
Individualismo,
culto do eu (egocentrismo)
|
A LINGUAGEM DA
PROSA NATURALISTA
Um procedimento característico da prosa
naturalista é apresentar o ambiente físico e social detalhadamente, como se o
narrador estivesse munido de uma máquina fotográfica com lentes do tipo zum,
que lhe permitisse compor e decompor os detalhes de cada cena.
A linguagem da prosa naturalista
caracteriza-se pela adoção de uma postura analítica e científica diante da
realidade. Por isso, faz uso frequente da narração impessoal e de descrições
minuciosas, com muitas sugestões visuais, olfativas, táteis e auditivas. Por
conta desse detalhamento, a narrativa às vezes torna-se lenta.
No Naturalismo, homens e mulheres são
vistos por uma perspectiva biológica, em que se destaca seu lado físico,
instintivo, animal, por vezes até degradante.
NATURALISMO x
ROMANTISMO
Na segunda
metade do século XIX, tanto o Realismo quanto o Naturalismo e o Parnasianismo
combatiam o Romantismo. Mas cada uma dessas correntes se opunha ao movimento
por razões diferentes. Veja como os críticos Antonio Candido e José Aderaldo
Castello explicam a oposição do Naturalismo ao Romantismo.
“Naturalismo”,
no sentido mais amplo, significou a busca de uma explicação materialista para
os fenômenos da vida da vida e do espírito, bem como a redução dos fatos
sociais aos seus fatores externos, sobretudo os biológicos, segundo os padrões
definidos pelas ciências naturais. [...] O Romantismo foi combatido, entre
outras coisas, no que tinha de compromisso com as filosofias de cunho
espiritualista, e no que tinha de idealização da realidade.
Livro: Presença
da literatura brasileira.
HOMEM: A RAÇA, O
MEIO, O MOMENTO HISTÓRICO
Os naturalistas, com base nas ideias
deterministas de Hippolyte Taine (1828-1893), viam o ser humano como uma
máquina guiada pela ação das leis físicas e químicas, pela hereditariedade e
pelo meio físico e social. As personagens aparecem, então, como produtos, como
consequência de forças preexistentes que lhes roubam o livre-arbítrio e as
tornam, em casos extremos, verdadeiros joguetes.
Como síntese, observe as características
do Naturalismo:
Naturalismo
|
|
Quanto à forma
|
Quanto ao conteúdo
|
Linguagem simples
|
Determinismo
|
Clareza, equilíbrio e harmonia na
composição
|
Objetivismo cinetífico
|
Preocupação com minúcias
|
Temas de patologia social
|
Presença de palavras regionais
|
Observação e análise da realidade
|
Descrição e narrativas lentas
|
Ser humano descrito sob a ótica do
animalesco e do sensual
|
Impessoalidade
|
Despreocupação com a moral
|
|
Literatura engajada
|
NATURALISMO E O
ROMANCE DE TESE
As obras naturalistas são também
chamadas de romances de tese: apresentam um ponto de vista e tentam demonstrá-lo
através dos fatos narrados. Em geral, focalizam o lado patológico dos
indivíduos ou da sociedade, ou seja, as piores situações sociais, como:
traição, atentado ao pudor, exploração sexual etc. Em seguida, procuram os
motivos de tais problemas, encontrando-os na etnia, nos costumes, no ambiente
social, no temperamento, na falta de valores morais e na libertinagem. Enfim,
dissecavam as taras humanas, vistas como consequências da hereditariedade, de
doenças, vícios, má formação do caráter e das relações sociais....
Além de romances de tese, o naturalismo
pode ser chamado romances experimentais, onde seus fatos são usados como
experiências científicas e, assim, é apresentada uma conclusão.
O Naturalismo defende a exposição do ser
humano através de seus instintos naturais, sendo estes responsáveis por seus
atos. A literatura naturalista tem caráter reformista, uma vez que seus
escritores passaram a analisar o comportamento humano e social, de maneira que
eram capazes se apontar saídas e soluções. Antônio Cândido e José Geraldo
Castelo (1994:286) assim explicam o Naturalismo:
O Naturalismo
significa o tipo de Realismo que procura explicar cientificamente a conduta e o
modo de ser dos personagens por meio dos fatores externos, de natureza
biológica e sociológica, que condicionam a vida humana. Os seres aparecem
então, como produtos, como conseqüências de fatores preexistentes, que limitam
a sua responsabilidade e os tornam, nos casos mais extremos, verdadeiros
joguetes das condições.
Os naturalistas
acreditavam que o conhecimento se dá por meio dos sentidos e que a função do
escritor é relatar por detalhes o que se observa. Sua teoria de vida era mais
pessimista que a dos realistas. Mas o Naturalismo nada mais é do que o Realismo
mais cientificismo da segunda metade do século XIX. Assim, encontramos todas as
características do Realismo, exceto a análise psicológica das personagens.
A LINGUAGEM DA
POESIA PARNASIANA
Enquanto o Realismo e o Naturalismo
tiveram em comum a finalidade de analisar e compreender a realidade, o
Parnasianismo foi uma tendência com perspectiva completamente diferente.
O
Parnasianismo é um movimento literário que surgiu na mesma época do Realismo e
do Naturalismo, no final do século XIX. De influência e tradição clássica, tem origem
na França.
Seu nome surge de Parnase
Contemporain, antologias publicadas em Paris a partir de 1866. Parnaso é
como se chama a montanha consagrada a Apolo e às musas da poesia na mitologia
grega.
Em 1882, Fanfarras, de Teófilo Dias, é a obra que inaugura o parnasianismo
brasileiro, movimento que se prolonga até a Semana de Arte
Moderna, em 1922.
De postura
antirromântica, o Parnasianismo é baseado no culto da forma, na impassibilidade
e impessoalidade, na poesia universalista e no racionalismo.
Os autores parnasianos
criticavam a simplicidade da linguagem, a valorização da paisagem nacional e o
sentimentalismo. Para eles, essa era uma forma de subjugar os valores da
poesia.
A proposta inovadora
era de uma poesia de linguagem rebuscada, racional e perfeita do ponto de vista
formal. Acreditavam que, se estivesse apoiados no modelo clássico poderiam
contrapor os exageros e a fantasia típica do movimento literário Romantismo.
Ao Parnasianismo,
seguiu-se o Simbolismo, movimento que exalta a realidade subjetiva e que nega a
razão explorada pelos parnasianos.
Em resumo, as características do
Parnasianismo são:
·
Idealização
da arte pela arte
·
Busca da
perfeição formal
·
Preferência
pelo soneto
·
Preferência
pela descrição
·
Rimas
raras
·
Vocabulário
culto
·
Objetivismo
·
Racionalismo
·
Universalismo
·
Apego à
tradição clássica
·
Gosto
pela mitologia greco-latina
·
Rejeição
do lirismo
Exemplo
de poemas Parnasianos:
PROFISSÃO DE FÉ
– OLAVO BILAC
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.
E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.
Porque o escrever - tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer.
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer.
Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!
VASO CHINÊS –
ALBERTO DE OLIVEIRA
Estranho
mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;
Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;
Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
Indicações
de leituras sobre os autores do Realismo/Naturalismo/Parnasianismo:
HISTÓRIA
SOCIAL DO SIMBOLISMO
O fato de uma estética literária vigorar
em determinado momento histórico não significa que todas as pessoas e grupos
sociais daquele momento tenham vivido e pensado da mesma forma. Pode-se dizer
que nas épocas históricas há uma ideologia predominante, mas não global.
Nas últimas décadas do século XIX, por
exemplo, em meio à onda de cientificismo e materialismo que deu origem ao
Realismo e ao Naturalismo, surgiu um grupo de artistas e intelectuais que
punham em dúvida a capacidade absoluta da ciência de explicar todos os
fenômenos relacionados ao homem. Não acreditavam no conhecimento “positivo” e
no progresso social prometidos pela ciência.
Pensavam que, assim como a ciência, a
linguagem é limitada. A primeira, para traduzir a complexidade humana, e a
segunda, para representar a realidade como ela de fato é, podendo, no máximo,
sugeri-la.
Estudar a literatura do período implica
conhecer a crise espiritual que marcou esse momento histórico e ver de que modo
ela acarretou uma nova forma de ver e sentir o mundo e, consequentemente, uma
nova forma de expressão artística: a arte simbolista.
A
LINGUAGEM DO SIMBOLISMO
Embora acentue sob alguns aspectos o
requinte da arte pela arte, o Simbolismo se opõe tanto ao Realismo quanto ao
Parnasianismo, situando-se muito próximo das orientações românticas, de que é
em parte uma revivescência. Antonio Candido e José Aderaldo Castello
Tanto o Simbolismo francês quanto o
brasileiro foram fortemente influenciados pela obra de Charles Baudelaire (1821-1867),
poeta pós-romântico francês considerado precursor não apenas do Simbolismo, mas
de toda a poesia moderna.
A linguagem simbolista caracteriza-se
por ser vaga, fluida, imprecisa.
Para os simbolistas, uma das formas de
expressar as sensações interiores por
meio da linguagem verbal é a aproximação ou o cruzamento de campos sensoriais
diferentes. Esse procedimento, a que se dá o nome de SINESTESIA, foi inspirado
no poema “Correspondências” de Baudelaire.
O Parnasianismo e o Simbolismo nasceram
juntos, na França, com a publicação da revista Parnasse Contemporain. Embora esses dois movimentos apresentem
propostas artísticas diferentes, eles têm em comum a preocupação coma própria
linguagem artística. Por isso é comum se manifestar entre simbolistas o principio
da “arte pela arte” ou “arte sobre a arte”.
SIMBOLISMO:
O MUNDO EM CRISE
O Simbolismo é um movimento que
atravessa o final do século XIX, e que exprime a tonalidade espiritual de uma
época, conciliando o cosmos e a psique. A experiência
poética associa-se, então, à meditação metafísica. A beleza torna-se um ideal,
com a rejeição lógica da sociedade “burguesa”. Há um desencanto generalizado, o
mundo entra em crise, o escritor afirma-se “decadente”, e refugia-se num
universo imaginário, construindo uma filosofia do nada, do aniquilamento, da
desesperança e do cepticismo. Izabel Pascoal.
OS
SIMBOLISTAS E OS GÓTICOS
O Simbolismo retoma alguns dos
procedimentos românticos, entre eles o subjetivismo, o gosto pelo mistério,
pelo macabro e por ambientes noturnos. Veja o que o simbolista francês Rimbaud
escreveu:
Deveria ter meu inferno pela cólera, meu
inferno pelo orgulho, - e o inferno da carícia: um concerto de infernos. Morro
de lassidão. É a tumba, vou para os vermes, o horror dos horrores! Satã, farsante,
queres me diluir com teus feitiços. Me queixo. Me queixo! Um golpe do tridente,
uma gota do fogo. (Uma temporada no inferno – Rimbaud)
Indicação de filme: Eclipse de uma
paixão (1997) – narra o intenso relacionamento afetivo e poético vivido pelos poetas
simbolistas franceses Verlaine e Rimbaud. Com apenas 16 anos, Rimbaud já
surpreendia os meios literários franceses com suas ideias originais e com sua
forma particular de conceber a poesia.
Compare as características do Simbolismo
com o Parnasianismo:
SIMBOLISMO
|
PARNASIANISMO
|
Subjetivismo
|
Objetivismo
|
Linguagem
vaga, fluida, busca “sugerir” em vez de nomear
|
Linguagem precisa, objetiva, culta
|
Cultivo do
soneto e de outras formas de composição poética
|
Preferência pelo soneto
|
Antimaterialismo,
antirracionalismo
|
Racionalismo
|
Misticismo,
religiosidade
|
Paganismo greco-latino
|
Pessimismo,
dor de existir
|
Contenção dos sentimentos
|
Estados
contemplativos, interesse pelo noturno, pelo mistério, pela morte
|
Interesse por temas universais: a
natureza, o amor, objetos de arte, a poesia
|
Retomada de
elementos da tradição romântica
|
Retomada de elementos da tradição
clássica
|
SIMBOLISMO
E DECADENTISMO
A poesia universal é toda ela na
essência simbólica. Os símbolos povoam a literatura desde sempre. [...]
Todavia, ao longo da década de 1890, desenvolveu-se na França um movimento
estético a princípio apelidado “decadentismo” e depois “Simbolismo”. Por muitos
aspectos ligados ao Romantismo e tendo tido berço comum com o Parnasianismo, o
Simbolismo gerou-se como uma reação contra a fórmula estética parnasiana, que
dominara a cena literária durante a década de 1870, ao lado do Realismo e do
Naturalismo, defendendo o impessoal, o objetivo, o gosto do detalhe e da precisa
representação da natureza [...]
Posto não constituísse uma unidade de
métodos, antes de ideais, o Simbolismo procurou instalar um credo estético
baseado no subjetivo, no pessoal, na sugestão e no vago, no misterioso e
ilógico, na expressão indireta e simbólica. Como pregava Mallarmé, não se devia
dar nome ao objeto, nem mostrá-lo diretamente, mas sugeri-lo, evocá-lo pouco a
pouco, processo encantatório que caracteriza o símbolo. (Afrânio Coutinho)
SIMBOLISMO:
REAÇÃO AO RACIONALISMO
Visto à luz da cultura europeia, o
Simbolismo reage às correntes analíticas dos meados do século (XIX), assim como
o Romantismo reagira à Ilustração [...] Ambos os movimentos exprimem o desgosto
das soluções racionalistas e mecânicas e nestas reconhecem o correlato da burguesia
industrial em ascensão: ambos recusam-se a limitar a arte ao objeto, à técnica
de produzi-lo, a seu aspecto palpável; ambos, enfim, esperam ir além do
empírico e tocar, com a sonda da poesia, um fundo comum que susteria os
fenômenos, chama-se Natureza, Absoluto, Deus ou Nada. (Alfredo Bosi)
O
SIMBOLISMO E O TÉDIO DA CIVILIZAÇÃO MODERNA
Ao mesmo tempo, e em íntima relação com
o movimento dos parnasianos, o culto da sensação evolui de outra maneira bem
mais interessante; alguns poetas, experimentando conhecidas ou pelo menos
inexpressas sensações, sugeridas amiúde pelo tédio da civilização moderna e
pelo seu sentimento de expatriação no seio dela, e não encontrando mais, nas
formas usuais de linguagem poética, instrumentos capazes de satisfazer sua vontade
de expressão, começavam a modificar profundamente a função da palavra em
poesia. Essa função é dupla, e o foi em todos os tempos: em poesia, a palavra
não é somente o instrumento da compreensão racional, tem outrossim o poder de
evocar sensações. (Erich Auerbach)
SIMBOLISMO:
A ARTE DE SUGERIR
Embora acentue sob alguns aspectos o
requinte da arte pela arte, o simbolismo se opõe tanto ao realismo quanto ao
parnasianismo, situando-se muito próximo das orientações românticas, de que é
em parte uma revivescência. Não aceitando a separação entre sujeito e objeto,
entre artista e assunto, mas ele objetivo e subjetivo se fundem, pois o mundo e
a alma têm infinidades misteriosas, e as coisas mais díspares podem revelar um
parentesco inesperado. O espírito, portanto, não apreende totalmente nem traça
um contorno firme dos objetos, dos seres, das ideias. Cabe-lhes apenas o
recurso de aproximar-se da sua realidade oculta por meio de tentativas, que
sugerem sem esgotá-la.
O
SIMBOLISMO NO BRASIL
Ao contrário do que ocorreu na Europa,
onde o Simbolismo se sobrepôs ao Parnasianismo, no Brasil o movimento
simbolista foi quase inteiramente ofuscado pelo movimento parnasiano, que gozou
de amplo prestígio entre as camadas cultas da sociedade até as primeiras
décadas do século XX. Apesar disso, a produção simbolista deixou contribuições
significativas, preparando terreno para as grandes inovações que iriam ocorrer
no século XX, no domínio da poesia.
As primeiras manifestações simbolistas
já eram sentidas no Brasil desde o final da década de 80 do século XIX. Apesar
disso, tem-se apontado como marco introdutório do movimento simbolista
brasileiro a publicação, em 1893, das obras Missal (prosa) e Broquéis (poesia),
de nosso maior autor simbolista: Cruz e Souza.
Além de Cruz e Souza, destacam-se, entre
outros, Alphonsus de Gumaraens e Pedro Kilkerry (recentemente descoberto pela
crítica).
CRUZ
E SOUSA: O CAVADOR DO INFINITO
Cruz e Sousa (1861 -1898) nasceu em
Florianópolis, Santa Catarina. Filho de escravos, foi amparado por uma família
aristocrática, que o ajudou nos estudos. Com a morte do protetor, abandou os
estudos e começou a trabalhar na imprensa catarinense, escrevendo crônicas
abolicionistas e participando diretamente de campanhas em favor da causa negra.
Ele próprio mais de uma vez fora vítima de preconceito racial. Em 1890,
transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde sobreviveu trabalhando em vários
empregos. Depois de ter tido na juventude uma grande desilusão amorosa, ao
apaixonar-se por uma artista branca, casou-se com Gravita, uma negra que, anos
depois, manifestou problemas mentais. Dos quatro filhos que o casal teve,
apenas dois sobreviveram. Cruz e Souza morreu aos 36 anos, vítima de
tuberculose. Suas únicas obras publicadas em vida são Missal e Broquéis.
Hoje, Cruz e Sousa é considerado o mais
importante poeta simbolista brasileiro e um dos maiores poetas nacionais de
todos os tempos. Contudo, o escritor só teve seu valor reconhecido
postumamente, depois de ter sido incluído pelo sociólogo francês Roger BAstide
entre os maiores poetas do Simbolismo universal.
Sua obra poética apresenta diversidade e
riqueza. De um lado, encontram-se nela aspectos noturnos do Simbolismo,
herdados do Romantismo: o culto da noite, certo satanismo, o pessimismo, a
morte.
De outro lado, há certa preocupação
formal, que aproxima o poeta dos parnasianos: a forma lapidar, o gosto pelo
soneto, o verbalismo requintado, a força das imagens; há, ainda, a inclinação à
poesia meditativa e filosófica, que o aproxima da poesia realista portuguesa.
A
POESIA METAFÍSICA E A DOR DE EXISTIR
Juntamente com o poeta realista
portuguesa Antero de Quental e o pré-modernista brasileiro Augusto dos Anjos,
Cruz e Sousa apresenta uma das poéticas de maior profundidade em língua
portuguesa, em razão da investigação filosófica e da angústia metafísica
presentes nas suas composições.
Na obra de Cruz e Sousa, o drama da
existência revela uma provável influencia das ideias pessimistas do filosofo
alemão Schopenhauer, que marcaram o final do século XIX. Além disso, certas
posturas verificadas em sua poesia – o desejo de fugir da realidade, de
transcender a matéria e integrar-se espiritualmente no cosmo – parecem
originar-se não apenas do sentimento de opressão e mal-estar produzido pelo
capitalismo, mas também do drama racial e pessoal que o autor vivia.
A trajetória da obra de Cruz e Sousa
parte da consciência e da dor de ser negro, em Broquéis, e chega à dor de ser
homem, em Faróis e Últimos sonetos, obras póstumas nas quais sobressai a busca
da transcendência.
As características mais importantes da
poesia de Cruz e Sousa são>
- no plano temático: a morte, a
transcendência espiritual, a integração cósmica, o mistério, o sagrado, o
conflito entre matéria e espírito, a angústia e a sublimação sexual, a
escravidão e uma verdadeira obsessão por brilhos e pela cor branca.
- no plano formal: as sinestesias, as
imagens surpreendentes, a sonoridade das palavras, a predominância de
substantivos e adjetivos e o emprego de maiúsculas, utilizadas com a finalidade
de dar valor absoluto a certos termos.
ALPHONSUS
DE GUIMARAENS
Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)
nasceu em Ouro Preto, estudou Direito em São Paulo e durante muitos anos foi
juiz em Mariana, cidade histórica vizinha de Ouro Preto.
Marcado ainda muito jovem pela morte da
prima Constança, a quem amava e que tinha apenas 17 anos, sua poesia é quase
toda voltada para o tema da morte da mulher amada. Todos os outros temas que
explorou, como natureza, arte e religião, estão de alguma forma relacionados ao
primeiro.
A exploração do tema da morte abriu ao
poeta, por um lado, o vasto campo da literatura gótica ou macabra dos
escritores ultrarromânticos, recuperada por alguns simbolistas; por outro lado,
possibilitou a criação de uma atmosfera mística e litúrgica, em que abundam
referências ao corpo morto, ao esquife, às orações, às cores roxa e negra, ao
sepultamento, conforme exemplifica esta estrofe:
Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar mas que suplica.
O conjunto de poesias de Alphonsus de
Guimaraens é uniforme e equilibrado. Temas e formas se repetem e se aprofundam
no decorrer de quase trinta anos de produção literária, consolidando uma de
nossas poéticas mais místicas e espiritualistas.
O crítico Alfredo Bosi considera que “
de Cruz e Sousa para Alphonsus de Guimaraens sentimos uma descida de tom”; isso
porque a universalidade, a dor da existência e as sensações de voo e vertigem
que caracterizam a linguagem simbolista de Cruz e Sousa ganham limites mais
estreitos na poesia de Alphonsus, presa ao ambiente místico da cidade de
Mariana e ao drama vivido na adolescência.
Formalmente o poeta revela influências
árcades e renascentistas, sem, contudo, cair no formalismo parnasiano. Embora
preferisse o verso decassílabo, Alphonsus chegou a explorar outras métricas
particularmente a redondilha maior, de longa tradição popular, medieval e
romântica.
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